SUSTENTABILIDADE

MPF questiona Kinross sobre responsabilidade em casos de câncer em Paracatu

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou à Kinross Brasil Mineração vários questionamentos sobre os processos de extração de ouro e prata em suas operações em Paracatu (MG). O objetivo é saber se o índice de câncer na região está relacionado com a liberação de substâncias cancerígenas durante o processo de mineração.

MPF questiona Kinross sobre responsabilidade em casos de câncer em Paracatu

Estudos apontam para um alto número de pacientes com câncer em Paracatu, fora do padrão para cidades de mesmo porte, que é de cerca de 90 mil habitantes. Em novembro do ano passado, noticiou-se que mais de 400 paracatuenses encontravam-se em tratamento no Hospital do Câncer, em Barretos (SP), e, segundo os médicos, esse número vem aumentando.

O procurador da República diz que “é preciso investigar se essa incidência está condizente com a realidade ou se ela realmente discrepa do padrão, além das reais causas para o número de pacientes portadores de câncer, ou de outras doenças, resultantes ou não da contaminação por substâncias utilizadas ou geradas durante ou no final do processo de produção do ouro”.

O MPF investiga, também, possíveis riscos ao meio ambiente. De acordo com o próprio MPF, em uma vistoria realizada nos dias 2 e 3 de outubro na mina e nas demais instalações da Kinross, em Paracatu, o procurador da República José Ricardo Teixeira Alves e técnicos do MPF detectaram que um dos problemas ambientais resultantes do processo de produção de ouro da mineradora é o uso de cianeto, substância que, segundo informações da própria empresa, é altamente perigosa. O cianeto, em contato com determinados ácidos, libera um gás tóxico que, se ingerido ou inalado, pode ser fatal.

“É preciso saber então de que maneira a empresa está destruindo o cianeto utilizado no processo de produção”, afirma o procurador José Ricardo Teixeira Alves.

Ele conta que, durante a vistoria, técnicos da empresa informaram que a solução contendo cianeto, que não é totalmente destruída após o processo de produção, vem sendo armazenada nas barragens de rejeitos, que são revestidas com lona PEAD e argila férrica, um material que encurta o tempo de vida da barragem e ocasiona pressão elevada sobre o solo ou maciço.

“A nossa preocupação é que, ao longo dos anos, essas barragens possam romper, e o vazamento do material tóxico contido nos tanques possa atingir o lençol freático através da percolação nas trincas e nas fraturas das rochas que se encontram abaixo da camada impermeável”, explica o procurador da República.

Por isso, a empresa deverá informar ao MPF a quantidade de rejeitos e de material estéril produzida anualmente, o processo de descarte da água gerada no rejeito do beneficiamento e da hidrometalurgia, além de esclarecer quantas análises mensais, das águas superficiais e subterrâneas situadas na área de influência do empreendimento, são efetuadas, por quais parâmetros e quais os resultados obtidos até o momento.

Outro problema ambiental gerado pela produção de ouro da mineradora é a liberação de enorme quantidade de arsênio e de outros materiais tóxicos.

Para o MPF, o risco de essas substâncias contaminarem águas superficiais, como as águas de chuvas, por exemplo, e essas atingirem os córregos, brejos, cisternas e poços tubulares no entorno da mina, não pode ser ignorado.

Em 2012, pesquisadores do Laboratório Labiotec, de Uberlândia (MG), constataram a contaminação de um brejo abaixo da barragem e de uma cisterna na região do ribeirão Santa Rita por materiais pesados provenientes das águas da barragem de rejeitos da Kinross. A situação foi considerada extremamente grave, pois a contaminação por metais pesados provoca, entre outros, cegueira, destruição do sistema imunológico e do sistema nervoso central.

Na mesma linha, a investigação pretende detectar se realmente houve aumento da incidência de câncer na região e, em caso positivo, se haveria influência da mineração.

“Há notícias ainda sobre a ocorrência de outros danos ambientais, como fontes de água – lagoas, açudes e poços artesianos – que estão secando”, lembra o procurador. “Esses relatos são preocupantes, porque é preciso saber se as frentes de lavra podem vir, no futuro, a afetar o abastecimento de água da cidade de Paracatu, que está situada a montante da mineração”.

Por sinal, uma das principais frentes de lavra da Kinross, instalada a cerca de 60 metros abaixo do nível do córrego Rico, provocou a diminuição na vazão desse córrego devido ao rebaixamento do lençol freático. “Nesse caso, a dúvida é se as nascentes serão totalmente bloqueadas pela lavra, com toda a água do córrego Rico sendo usada pelo empreendimento, ou se a empresa está tomando providências para normalizar a vazão de um curso d'água importante para a região”, afirma José Ricardo.

O complexo minerário da Kinross, localizado próximo à zona urbana, tem avançado em direção a alguns bairros de Paracatu, com notícias de demolição de casas, ruas com rede de água e luz e até de equipamentos públicos, para ampliação da lavra.

Por isso, segundo o MPF, é preciso ter acesso a informações que comprovem o alcance efetivo do projeto, bem como analisar detidamente o próprio processo de licenciamento ambiental para saber se todos esses efeitos foram previstos, quais foram as medidas compensatórias planejadas e se elas vêm sendo cumpridas pela mineradora.