CONTEÚDO DE PARCEIROS

Garimpo ilegal

Riscos em terras indígenas e fora delas

FFA Legal
Garimpo ilegal

Em fevereiro passado foi veiculada notícia, em diversos canais, do colapso de uma mina de ouro ilegal na Venezuela, localizada em terra indígena, que ocasionou a morte de, pelo menos, 16 pessoas. O acidente ocorreu em razão de uma avalanche de terra repentina, que pegou os mineiros de surpresa. Como consequência, foi necessário fazer a evacuação da mina pelas forças armadas locais, tendo sido resgatadas centenas de pessoas.

A tragédia é apenas mais uma na história do país, que coleciona casos como esse, sendo o último em dezembro de 2023, com 12 mortos na comunidade indígena de Ikabarú, em Bolívar. Por serem minas ilegais, as estruturas não seguem os padrões mínimos de segurança, assim como não são implementadas medidas mitigadoras ou compensatórias de danos ambientais e sociais.

Em meio a acusações de omissão e até cumplicidade por parte do Governo Venezuelano, o fato é que a exploração ilegal de minérios é bastante comum na região do Arco Mineiro do Orinoco, uma área de 112 mil quilômetros quadrados, na qual a exploração é feita pelo Governo.

Apesar de não tão comuns as notícias de acidentes estruturais de garimpos no Brasil, é notório que o país também apresenta números expressivos de atividades de mineração ilegal, inclusive dentro das terras indígenas, onde a mineração não é permitida.

Apesar do §3º1 do artigo 231 da Constituição Federal prever que a lavra das riquezas minerais em terras indígenas poderá acontecer após a devida autorização pelo Senado Federal, a garimpagem por terceiros, que não os próprios indígenas, não é permitida, sob nenhuma hipótese, em território indígena, conforme vedação expressa no artigo 231, §7º2 da Constituição Federal e no artigo 23, a) da Lei 7.805/893 . Ainda assim, apenas em 2022, de acordo com levantamento pelo Mapbiomas, mais de 25 mil hectares em Terras Indígenas e de 78 mil hectares em Unidades de Conservação (UCs) estavam ocupados pela atividade ilegal (MAPBIOMAS, 2023).

O mundo acompanhou de perto a devastação da terra indígena Yanomami, causada pela atividade de garimpo ilegal na região, veiculada de forma ampla no início de 2023, ocasião em que ficou claro o impacto negativo que a atividade de mineração ilegal pode ter em uma região.

Os danos ambientais são facilmente observados: para se chegar ao minério, os garimpeiros ilegais abrem verdadeiras crateras no meio da floresta, além de utilizarem mercúrio para retirarem o ouro da pedra, o que acaba por poluir o solo e os corpos hídricos da região.

Além disso, a ação das dragas, bicos de jato e retroescavadeiras causa assoreamento dos rios, desmatamento, erosão do solo e destruição de habitats naturais. Em dezembro de 2021, por exemplo, um levantamento do Greenpeace mostrou que o garimpo ilegal dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Pará, havia destruído 632 quilômetros de rios em cinco anos. No início de 2022, garimpeiros despejaram mais de 7 milhões de toneladas de rejeitos no rio Tapajós (OLIVEIRA, 2023).

Os danos ambientais acabam causando também danos à saúde dos indígenas. Dados do Ministério da Saúde mostram que, de janeiro a outubro de 2023, 215 yanomamis morreram, dos quais 90 foram por causas infecciosas, como pneumonia e malária (JORNAL NACIONAL, 2023).

Estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) junto ao WWF-Brasil mostrou que todos os indígenas Munduruku que participaram da pesquisa estão afetados por mercúrio utilizado no garimpo ilegal da região, sendo certo que, de cada dez participantes, seis apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros: cerca de 57,9% dos participantes apresentaram níveis de mercúrio acima de 6µg.g-1 – que é o limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde (FIOCRUZ, 2020).

De acordo com reportagem da Agência Brasil, além dos impactos ao meio ambiente, verificou-se impactos sociais graves na terra indígena Yanomami, como a escassez de animais, em razão do barulho de maquinários pesados, o que afeta diretamente a cadeia alimentar dos indígenas, a entrada do consumo de álcool na comunidade e o assédio sexual de garimpeiros contra as mulheres indígenas (VILELA, 2023).

Mas, qual a solução para esse problema?

Ao contrário do que é defendido por muitos, a legislação brasileira tem sido cada vez mais rígida com a atividade mineral, em especial após os episódios com as barragens de Mariana e Brumadinho, como é o caso da Lei 14.066, de 30 de setembro de 2020, que alterou a Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, e a recente Lei 14.755, de 15 de dezembro de 2023, que instituiu a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens.

Podemos citar, também, a polêmica Resolução nº 122/2022, da Agência Nacional de Mineração, que modificou os procedimentos para apuração das infrações, sanções e os valores das multas aplicáveis em decorrência do não cumprimento das obrigações previstas na legislação do setor mineral, estabelecendo multas que podem chegar a R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais).

Também vimos um avanço significativo na evolução normativa no que diz respeito ao comércio de ouro proveniente de áreas de garimpo. Atualmente regulada pela lei nº 12.844/2013, a venda de ouro proveniente de áreas de garimpo legalizados deverá, necessariamente, ser feita junto a uma instituição legalmente autorizada a realizar a compra (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários ou DTVMs), por meio de suas subsidiárias.

A determinação de que o ouro proveniente de garimpo seja vendido exclusivamente aos Postos de Compra de Ouro que estejam atrelados a uma DTVM devidamente autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil foi feita justamente para que se tenha o controle da cadeia de produção e de comércio de ouro, a fim de evitar a lavra em locais proibidos, como por exemplo em uma terra indígena.

Nesse sentido, cumpre analisar conjuntamente o disposto nas leis nº 11.685/2008, 12.844/2013 e 7.766/1989.

Enquanto a Lei 11.685/2008 prevê que o garimpeiro pode comercializar a produção diretamente com o consumidor final, desde que comprove a origem do minério extraído, os artigos 1º, § 1º, II, e 2º, parágrafo único da lei nº 7.766/19894 reforçam a imposição de que o ouro proveniente de área de garimpo somente pode ser comercializado com uma DTVM.

Já a Lei nº 12.844/2013, apesar de também restringir a comercialização do ouro a instituição legalmente autorizada a realizar a compra, abre uma brecha para fraudes, ao prever que "Presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente quando as informações mencionadas neste artigo, prestadas pelo vendedor, estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro". Ou seja, é considerada tão somente a autodeclaração do portador ou transportador sobre a origem do ouro como garantia de que este foi extraído de uma lavra garimpeira autorizada, facilitando que o ouro ilegalmente extraído de uma terra indígena, por exemplo, seja introduzido no mercado nacional como proveniente de área devidamente titulada e regular.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7273, proposta pelos partidos políticos PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO — PSB NACIONAL e REDE SUSTENTABILIDADE, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, questionou justamente a constitucionalidade desse artigo, obtendo liminar favorável, em 04 de abril de 2023, referendada em decisão prolatada em 03 de maio de 2023, no sentido de determinar a suspensão da eficácia do dispositivo mencionado, assim como a adoção, no prazo de 90 (noventa) dias, de nova norma voltada à fiscalização do comércio do ouro, especialmente quanto à verificação da origem legal do ouro adquirido por DTVMs.

Em 13 de junho de 2023 o atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou, à Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 3025/2023, que dispõe sobre normas de controle de origem, compra, venda e transporte de ouro no território nacional e altera a Lei nº 7.766, de 11 de maio de 1989.

O texto endurece as regras de comercialização de ouro e traz, como principal inovação, a criação da Guia de Transporte e Custódia de Ouro, documento que deverá acompanhar o transporte e a custódia de ouro, e será preenchido pelos vendedores de ouro, a cada transação, para que a ANM (Agência Nacional de Mineração) consiga monitorar as movimentações desse metal em território nacional.

O projeto prevê, ainda, que o vendedor terá responsabilidade cível e criminal pelas informações prestadas na citada Guia, além de proibir que os proprietários de instituições financeiras que atuam na comercialização de ouro dos garimpos sejam também donos de garimpos ou tenham familiares nessa situação.

O Diretor da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração– ABPM, Mauricio Gaioti, lembra que "a transparência beneficia o meio ambiente e as comunidades locais, mas também posiciona o Brasil como um líder na produção de ouro responsável e rastreável". A entidade, que acompanha o trâmite do Projeto de Lei em questão, é favorável ao texto substitutivo apresentado pelo relator do Projeto, o Deputado Marx Beltrão (PP/AL).

Diante de todo o exposto, em nosso entendimento, o problema não é a rigidez das normas, mas sim sua aplicabilidade. O que vemos atualmente é uma urgente necessidade de melhor aparelhamento do Estado com mão de obra especializada e estrutura para garantia de análise célere e de qualidade dos estudos ambientais exigidos para cada fase do licenciamento, assim como para a fiscalização do cumprimento das normas e condicionantes estabelecidas pelos órgãos.

De acordo com o sub-procurador geral da República, Mario Luiz Bonsaglia, erradicar a atividade garimpeira das terras indígenas "depende muito do poder executivo". É preciso uma ação integrada que forneça um aparato de segurança e logística com o apoio de órgãos como as Forças Armadas, a Aeronáutica, o Exército, a Força Nacional e as Polícias Federal e Militar. "O mero deslocamento de alguns contingentes policiais para a área [Yanomami] e a movimentação que o cumprimento dessa decisão está gerando já afastou milhares de garimpeiros." (DAMASIO, 2019).

Tanto é assim, que meses após o problema na terra indígena Yanomami ser amplamente divulgado na mídia, o que gerou uma série de ações por parte do Governo Federal, os garimpeiros retornaram à terra indígena em questão, com força total.

De acordo com Felipe Finger, fiscal do Ibama, "depois de maio, as ações fiscalizatórias arrefeceram, perderam a frequência, e atividade foi retornando, principalmente com o suporte logístico aéreo. E, então, essas aeronaves clandestinas continuam voando no território. Elas estão dificultando muito o combate ao garimpo ilegal aqui".

Ainda de acordo com o fiscal, as operações sofreram com problemas de logística, uma vez que as Forças Armadas desativaram um ponto de apoio dentro da reserva, que permitia o reabastecimento dos helicópteros de fiscalização (JORNAL NACIONAL, 2023).

Não é preciso fazer uma pesquisa muito profunda para se concluir que os órgãos ambientais estão com pouco efetivo e com condições de trabalho longe de ideais para cumprir seus objetivos de forma eficaz.

De acordo com reportagens divulgadas pelos canais Metrópoles e BNC Amazônia, o IBAMA contava, em novembro de 2023, com penas 782 (setecentos e oitenta e dois) fiscais para cobrir a totalidade do território (8.514.876 km² de extensão), sendo certo que menos da metade desse efetivo são "servidores especialistas em meio ambiente em atividade, o que expõe o tamanho do rombo no quadro funcional da instituição".

Por fim, cabe também ressaltar que projetos de lei como o PL nº 2.973, de 2023 que altera a Lei n° 7.805/89 e o PL nº 957, de 2024, que altera dispositivos do Decreto-Lei nº 227/67 (Código de Mineração), da Lei nº 6.567/78, e da Lei nº 7.805/9, para prever a possibilidade de outorga de lavra garimpeira em área onerada por requerimento de pesquisa ou autorização de pesquisa, além do "leilão social" (possibilidade de reserva de áreas exclusivamente para o regine de PLG), ao invés de solucionar ou melhorar as perspectivas sobre a questão, ao contrário, revelam um cenário de provável disseminação dos pontos acima apontados de forma indiscriminada por todo o território nacional.

Dessa forma, os esforços não devem ser no sentido de endurecer as regras, mas sim de valorizar as instituições, investindo para que os órgãos de controle e fiscalização estejam preparados para garantir o cumprimento das normas e atender aos administrados em tempo hábil, com qualidade, evitando que acidentes como os ocorridos na mina venezuelana ocorram por aqui.

------

1 231. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
2 Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º
3 Art. 23. A permissão de lavra garimpeira de que trata esta Lei: a) não se aplica a terras indígenas;
4 Art. 1º O ouro em qualquer estado de pureza, em bruto ou refinado, quando destinado ao mercado financeiro ou à execução da política cambial do País, em operações realizadas com a interveniência de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, na forma e condições autorizadas pelo Banco Central do Brasil, será desde a extração, inclusive, considerado ativo financeiro ou instrumento cambial.
§ 1º Enquadra-se na definição deste artigo: II – as operações praticadas nas regiões de garimpo onde o ouro é extraído, desde que o ouro na saída do Município tenha o mesmo destino a que se refere o inciso I deste parágrafo. Art. 2º Para os efeitos desta Lei, as cooperativas ou associações de garimpeiros, desde que regularmente constituídas, serão autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operarem com ouro.
Parágrafo único. As operações com ouro, facultadas às cooperativas ou associações de garimpeiros, restringem-se, exclusivamente, à sua compra na origem e à venda ao Banco Central do Brasil, ou à instituição por ele autorizada

------

ABOUT THIS COMPANY
FFA LEGAL

A história da FFA Legal é pautada em SERVIR o CLIENTE e DEFENDER diariamente O SETOR MINERAL através de intensa luta pela defesa e melhoria das leis e políticas públicas.

HEAD OFFICE:

SOCIAL